terça-feira, 10 de maio de 2011

Um ponto no universo

Um ponto no universo

Lembro de poucas coisas da minha infância
Algumas cenas largadas pelo chão do meu quarto
E poucas fotografias nas paredes. Ou nenhuma.
Talvez eu seja um daqueles extraterrestres
Tipo Clarck Kent, só que sem super-poderes.
Então, é isto: quero voltar pra casa.
Vou construir um disco voador e voltar pra Plutão
(sempre achei Plutão mais acolhedor)
Devo ter uma casa lá. Talvez família e uma bicicleta vermelha
Daquelas com rodinhas dos lados
E um quintal grande com muitas árvores.
Talvez lá as bocas sejam mudas
E ninguém tenha corpo ou rosto
E não haja um cemitério no quintal de cada casa
Ou sangue na palma de cada mão
Talvez as leis sejam outras e seja possível amar
Talvez os aluguéis sejam mais baratos
Talvez não existam tantas bandeiras ou céus
E não se morra de fome, catástrofe, solidão.

Manoel Guedes de Almeida
Floriano – PI, 13 de janeiro de 2011.

Esfera


Esfera
Não, Manoel, o mundo não é tão vasto
Nele não cabem os homens
Nele não cabemos nós dois.
Talvez por isso tantas estrelas
Tantas mãos sem dedos
Tantas faces sem rostos.
Por isso olhas o céu
E procuras alguém que te leve
Por isso a faca na tua mão e na outra
Os olhos de Deus e o coração
Porque o coração Dele também não cabe no mundo
E o mundo não cabe nos teus livros santos.
Talvez um dia erga-se num disco voador
E morra no espaço sideral
Ou talvez faça medicina, concurso público,
Talvez tenha filhos, família,
Talvez um cachorro
Talvez algum sentimento verdadeiro
E alguns cadáveres enterrados no quintal.

Manoel Guedes de Almeida
Floriano – PI, 02 de fevereiro de 2011.


Dois dias

Dois dias


À Débora Regina

Pôr-te em moldura de concreto armado
E arrancar o aço do seio do teu coração
E destruir
todos os relógios do mundo
Como se Deus tivesse criado a engrenagem
E o amor destruído o tempo e a razão...

Como te amar pra sempre se foges de mim
Se transfigura a minha face, as minhas atitudes
Se decepa assim como nada cada sentimento?...

Quisera eu ter te amado antes que houvesse tantas feridas
Quando teus sonhos e objetivos eram uma só criatura
E sorrir ainda se podia...
Então, como te ter pra sempre?

Talvez apenas a tua imagem sobre a cabeceira
A tua imagem tatuada no meu peito
Teus olhos tatuados na minha concretude...

E me sorri e me abraça e és sempre assim
E vejo tuas cicatrizes porque não és de concreto
Porque tens carne e sentidos e se permite sentir...
E vejo teus pêlos pelo cobertor
Teu cheiro no meu travesseiro
Teu sorriso tingindo a parede
E me lembro que podes sorrir
Que podes verdadeiramente sorrir.

Às vezes me pergunto se devo morrer também,
Por uma estátua minha ao lado da tua e morrer.
Fechar os olhos e morrer.
Acho que existe algum gene que expresse cimento
Em cada célula de nossos corpos,
Pois se te amo, me desumanifico.

Antes um homem, agora quimera, quiçá bruta pedra.
(E como posso amar uma pedra?)
Incrustrado na rocha do meu corpo jaz todo amor que resta
E se destina a ti, que também é pedra.
Talvez um dia chamem isso de alma
E descubram que as pedras também podem sangrar.


Manoel Guedes de Almeida
Floriano – PI, 13 de fevereiro de 2011.

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

O corpo e o colo

E se meu amor tiver passado
E dele só restar um anel negro que já não me cabe no dedo
E lembranças que já não me cabem na alma?

As músicas se erguem feito concreto
Seus lábios me vêm, seus olhos me vêem
Me contam histórias...
E posso tocá-las
Posso senti-las antes de dormir
E guardá-las rente ao peito como travesseiro
Como fleches antes da forca
Pulso antes da faca,
desfile de cegos e desfiladeiro.
Do pó ao pó. E possessão.

E se meu amor tiver passado...
Se tivesse ido de carro, ido de bonde
Se tivesse subido num disco voador
E levado consigo minha memória
Talvez houvesse saída, talvez restasse crença ou fé
Talvez eu aprendesse a voar
Ou implantasse bilhões de receptores no meu corpo
Que me fizessem sentir sobre minhas Gestalts
Desfiado toda a minha carne
Desfeito toda a minha esperança

Pinto sorriso numa folha de caderno em branco
E costuro na minha face antes de sair
Ensaio sentimentos e me saio bem
Morro um pouco a cada reencontro
E toda noite, me suicido.
Talvez um dia me convença que fui capaz
De ser feliz.

Manoel Guedes de Almeida
Floriano – PI, 18 de janeiro de 2011.

sábado, 28 de fevereiro de 2009

[A última lágrima de Ismália/



Homens tolos, estes. São todos tolos!
Procuram um sentido pra tudo
Mas sequer percebem
Não há sentido algum!
Não há significado nas escolhas escondido.
Não há escolhas nem caminhos que se possam seguir.
Não há destino além do acaso talhado
Na nossa testa
E os mandamentos escritos com sangue, nosso sangue,
Sempre se apagarão no cessar da velha orquestra.

Homens tolos, estes...
Sempre procurando um sentido pra vida
E uma explicação para todas as coisas.
Não vêem que o sentido da vida é o sentido que a vida dá!
E das coisas, só resta a explicação teórica de algo inexistente.
E vivem um sonho nutrido pela ilusão de vida eterna e felicidade ilusórios,
Enganados pelas próprias mentiras.
A vida não mais nos dá sentido algum.
Há muito se rendeu desiludida à nossa hipócrita mediocridade.

Pobres homens, estes...
Traçam caminhos, mas não os seguem.
Criam imagens, mas não às pintam. Depois às esquecem!
Nem percebem, em sua ingenuidade inconsciente,
Que não há caminho algum!
E as imagens são apenas lembranças de um futuro improvável...
A vida é eterna rotação. E giram e giram
Em torno do eixo de seus mundinhos particulares.
Infantis, querem desbravar o universo inteiro,
[mas estão perdidos em si mesmos].


E jogam sementes na pedra bruta... e guerreiam por uma paz impossível...
Têm a falsa idéia de controle sobre seus próprios atos.
Gostam da sensação de poder que não possuem.
São meras pedras de barro lançadas ao mar. Nada mais.

Procuram vida em outros planetas
Que justifique a falta de vida neste.
Batizam novas estrelas. Novos bebês. Novas marionetes.
Pobres homens. Todos nus. Sem nome. Semimortos.
Tentam encontrar a essência da vida em outros mundos
Pois venderam as próprias em liquidação há muito.
Havia tantos mundos neste... tantas almas...
[destruíram tudo!...


Na ausência de si, fazem poemas.
Choram sós no banheiro. Em segredo
Lavam o corpo vazio. Roubado. Sem alma.

Repousam a cabeça sobre os joelhos, curvados,
E deixam que a chuva escorra do único céu que lhes restou.
Fecham os olhos. Tentam pensar. Não há nada.

Não entendem nada.
Não sentem nada.
Não são nada...
Feto sem mãe.
Casa sem teto.
Céu vazio [criança sem Pai]

Amor sem afeto.

Mas não há nada para entender.
Estão ali, sobre o piso molhado.
Todo o resto foge.
Apenas a quente água sobre os ombros resta...
Então por que inda choram?!


Manoel Guedes de Almeida
Santos-SP, domingo, 27 de julho de 2008.

sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009





?

Ela: tu me amas?

Ele: amo-te.

Ela: então prova!

Ele: provar?!

Ela: é. Se me amas, então prove.

Ele: ...

Ela: ... não me amas...

Ele: é que... é que não posso...

Ela: como não pode?!

Ela:...

Ele: ... não posso...

Ela: então ta! Ta tudo acabado!

Lágrimas...

Ele: você ama Deus?

Ela: amo!

Ele: prove!...

Ela: ...

Ele: ...

Ela: amo-te.

Ele: eu sei. Também te amo.

Silêncio.





Manoel Guedes de Almeida

Santos-SP, segunda-feira, 28 de julho de 2008.


Sobre o destino


Desci do carro apressado. Ela estava lá, com aquele vestido verde feio e aquele olhar profundo. Olhou-me nos olhos e pareceu enxergar minha alma. Fiquei quieto. Calado.
Apoiou seu joelho na borda de concreto da ponte velha por sobre aquele rio, o nosso rio, e ergueu-se, fazendo-se mais próxima do céu.


Era época de seca e se via um fio triste e solitário de água turva a cortar a areia branca aquecida pelo Sol, como uma única veia ainda a ousar alimentar a terra. E o vento era quente e insuportável, e me ardia o corpo ao toque, e lhe balançava os cabelos soltos como se a no céu voar.
Não senti desespero nem medo. Não senti nada.


Encostei-me lentamente. Tentei falar, mas não me saiu sequer uma única palavra. Queria convencê-la a não pular, dizer que ela é a pessoa mais importante de minha vida e por quem eu largaria tudo. Mas não disse. Queria puxá-la à força dali e repousá-la nos meus braços. Seu ser herói, seu anjo protetor. Mas não o fiz. Fiquei estático.


Escorreu pela sua face pálida. Passou pelos seus lábios que tremulavam. Mas não havia medo na sua face. Esperou por algum tempo no seu queixo fino. Acumulou-se um pouco, e finalmente caiu ao chão como em câmera lenta, e senti-me mera ameba impotente, incapaz de impedir a lágrima de quem eu amo. Incapaz de dizer o que eu sinto.
Sentei-me então ao seu lado, pendendo os pés ao vão. Fechei os olhos e senti o vento. Não mais me abrasava o rosto. Ela sentou-se junto a mim e o silencio nos cercou por um tempo, afagou-nos o rosto, pegou-nos no colo e disse-nos estar tudo bem. Mais seguro, repousei minha mão sobre a dela. Senti aquela mão na minha e a aliança que há muito a dera.


Disse então, dentre soluços incontidos, que eu estaria com ela para todo sempre. Não tentei entendê-la nem mesmo impedi-la. Ela estava ali e eu também. E só. Ela disse que me amava, mas que seria necessário. Mas não era necessário explicar. Eu não queria explicação alguma.


Lembrei de nossas conversas malucas e pedidos de casamento inesperados. Lembrei-me naquele instante de toda a minha vida. Sonhei ali, novamente, todos os nossos sonhos passados. E chorei, mas as lágrimas sumiam antes que tocassem o chão. "Queria uma casa no lago", disse baixinho. Ela me disse "Também". "Queria um cachorro e filhos que brincassem com ele". Ela me disse "Também". Perguntei do futuro que construiríamos juntos. Ela me respondeu ser impossível, e me pediu perdão. Mas não havia crime algum a ser perdoado. Disse que a amava muito. Ela balançou a cabeça e disse "eu sei". E se calou.


Não ousei perguntar o motivo. Acho que não suportaria a resposta. Mas fiz promessas e eu sempre às cumpro.
Ergueu então a cabeça, de leve, e olhou-me nos olhos. Disse-me "te amo muito" e pediu para que eu nunca a esquecesse. E senti um aperto mais forte de sua mão na minha. Um adeus escondido no toque. Beijei-a o rosto e depois toquei seus lábios com os meus. Disse-a "nunca".


Pendeu seu corpo e largou-se ao ar. Eu fui junto.


Manoel Guedes de Almeida
Santos-SP, quarta-feira, 30 de julho de 2008.